É muito comum ouvir a palavra “hacker” e associá-la a desordeiros
digitais. Mas além de equivocada, esta constatação também esconde outro
lado dos especialistas em segurança digital.
A INFO entrevistou o consultor em segurança digital Alan
Sanches. O hacker já participou de ataques de negação de serviço (DDoS)
seguindo a ideologia do grupo Anonymous, mas abandonou essa prática para
fundar seu próprio grupo, desta vez com o objetivo de identificar as
vulnerabilidades dos sites.
Sanches diz passar o dia inteiro em busca de novas falhas,
para aprimorar seus conhecimentos e também para buscar soluções e
repassá-las aos administradores dos sites. Segundo Sanches, há empresas
que tentam se aproveitar do trabalho de hackers para espionar
concorrentes.
Você comentou que desistiu de continuar como participante do Anonymous. Poderia explicar o que fez tomar essa decisão?
Anonymous
é uma ideologia, o grupo com o qual participei são os que mais
difundiram essa ideologia no Brasil. Por se tratar de ideologia, com o
passar do tempo, percebi que a minha visão do Brasil é diferente da
visão do grupo, sendo assim era inútil lutar ao lado deles sendo que
minha visão e missão são diferentes.
Tecnicamente eles são excelentes, mas digamos que temos
conceitos (objetivos) diferentes. Algumas atitudes minhas eles repudiam,
da mesma forma que eu repudio algumas deles.
Sobre o novo grupo que montou, qual é sua atuação? Como se comunicam?
Nos últimos meses, que antecederam a criação do grupo, houve ataques a
sites governamentais por diversos grupos hackers, que lá cravaram suas
bandeiras efetuando pichações. Sempre gostei de efetuar invasões,
afinal, esse é um dos melhores meios de aprender a se defender, porém,
as pichações, roubos de dado, nunca fizeram parte do meu perfil.
Foi aí que alguns amigos, que também possuem o mesmo
pensamento, em um fórum de Segurança, decidimos criar a ASHACK, com o
objetivo de auxiliar empresas e instituições governamentais a se
protegerem de ataques.
Todas as quintas e sábados, nos reunimos em um bate-papo
reservado para então trocar conhecimento e efetuar o que chamamos de
"exploração". As sextas, deixamos o bate papo livre para o público
trocar conhecimento conosco.
Atuamos como uma equipe de respostas a incidentes de Segurança
Digital; exploramos as falhas encontradas, comunicamos o proprietário e
só depois de 48h úteis divulgamos em nosso site, para que o responsável
tenha tempo mais que suficiente para corrigir. Deixamos bem claro, em
nosso primeiro contato que, caso não consiga corrigir a falha em tempo
hábil que nos comunique para que mantenhamos em sigilo a falha
encontrada, além de efetuarmos apoio técnico, caso necessitem.
Como vocês escolhem seus “alvos”? Que tipo de ataques escolhe para cada site? Como funciona essa tomada de decisão?
Existem diversas ferramentas que fazem o "trabalho sujo", além de
amigos que encontram essas vulnerabilidades a esmo e nos informam.
Quando efetuamos a tal varredura, encontramos milhões de sites
vulneráveis e elegemos os mais conhecidos ou os que poderiam trazer
grande repercussão, caso o mesmo tenha sido pichado (deface).
Houve noites em que, durante nossas reuniões, invadimos mais
de 50 sites. Às vezes nos dá menos trabalho invadir o site do que
comunicar o responsável da mesma. Existem centenas de formas de ataques,
depende muito da vulnerabilidade do site, assim como da técnica a ser
aplicada, e da proteção existente. Temos especialistas em diversas áreas
no nosso grupo, com isso, aumentamos o leque de ataques e alvos.
E o que fazem com as informações obtidas nesses ataques?
Nós temos em nosso estatuto: NUNCA divulgar informações sigilosas ou
algo que possa comprometer uma instituição ou até mesmo algum usuário do
site. A divulgação de falhas em nosso site serve apenas para mostrar
que existe a vulnerabilidade e como se proteger dela, dando uma amostra
de que a invasão aconteceu sem comprometer ninguém.
É possível ganhar dinheiro com esses dados obtidos?
Ah, sim. Por exemplo, recebemos alguns convites de empresas solicitando
invasões nos sites de seus concorrentes e ficamos perplexos com tal
atitude. Tínhamos em mente que espionagem industrial existisse, mas foi a
primeira vez que nos deparamos com uma situação como essa. Recebemos em
uma semana 6 ofertas para efetuar roubo de dados de empresas rivais,
mas recusamos todas. Não é nosso objetivo e não achamos saudável esse
nível de concorrência.
Mas pelo nível das ofertas, concluo que é possível ganhar um
bom dinheiro com os dados obtidos das invasões, mas também é possível
ganhar esse mesmo dinheiro efetuando proteção às empresas.
Poderia citar algumas empresas que já tiveram os dados
comprometidos por suas ações? Essas empresas foram notificadas? E quais
foram as reações delas e quais atitudes tomaram?
Temos muitas invasões que ainda não foram notificadas por falta de tempo ou talvez por não achar o responsável pelo site.
Mas conseguimos alertar 21 empresas recentemente. Em todas
havia falhas graves de segurança, que nos deu controle total aos dados e
servidor, por isso comunicamos primeiro. As únicas instituições que nos
responderam de imediato e já corrigiram as falhas foram a empresa
privada KeepersBrasil e a militar FAB, as demais, sequer responderam
nossos e-mails e em todas, a falha ainda persiste.
Apenas um, de um político que não citaremos aqui, nos
respondeu com palavras de baixo calão, informando que nós éramos os
vândalos da era digital. Apenas ignoramos.
Você acredita que o Brasil ainda “engatinha” quando a
questão é a segurança digital dos dados? Estaríamos prontos para uma
cyberguerra, por exemplo?
Cremos que os maiores especialistas
em Segurança Digital sejam brasileiros, mas eles são raros e estão tão
sobrecarregados que quase não aparecem. O Brasil está muito longe de
sequer engatinhar na área de Segurança, com exceção das instituições
financeiras.
Tenho visto em muitas empresas que eles têm contratado
Analistas de Segurança com característica processual, ou seja, na área
de Segurança, existem diversos especialistas, mas são dois níveis que se
diferem: os que focam em Processos e os que focam na área Técnica. É
muito raro você encontrar os dois em uma só pessoa. Os que são em sua
totalidade 100% técnicos, os que hoje são denominados de Hackers, ainda
sofrem um preconceito das instituições. Eu mesmo já fui dispensado de
uma entrevista com o argumento de ter um site cujo nome é DesafioHacker.
A imagem Hacker é tratada por muitos como vândalos da
Internet, e isso não é verdade. O Brasil não está pronto para uma
CyberGuerra, não por causa do nível de conhecimento técnico, mas sim
pela falta de infraestrutura. Sequer temos link suficiente para conter
um ataque de DDoS (Negação de Serviço).
Enquanto o país não investir em infraestrutura, as empresas
não investirem em capacitação de seus profissionais e não perdermos a
visão de que “as coisas nunca irão acontecer conosco”, dificilmente essa
imagem irá mudar.
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